L'apollonide: os amores da casa de tolerância , é um drama encenado num bordel de Paris no começo do século XX

Início do século XX: o bordel L’Apollonide está vivendo seus últimos dias. Neste mundo fechado, onde alguns homens se apaixonam e outros se tornam viciosamente dependentes, as garotas dividem seus segredos, suas rivalidades, seus medos e suas dores.


Estamos em um prédio antigo de Paris, a câmera praticamente não sai deste ambiente durante as duas horas de duração do filme. Vivemos o dia a dia das mulheres que trabalham ali vendendo sexo para pagar como podem as dividas contraídas com a dona do estabelecimento, a velha história.

Este filme chama atenção por duas características, o tema, que ilumina um universo de exploração das mulheres (pra mim a característica mais importante do filme); e também pela qualidade artística, da forma sobre como ambienta esta história. Muitos planos do filme se parecem a uma pintura em movimento. Os movimentos de câmera não tem pressa, são elegantes, como Antonioni, aqui, exploram o bordel com suavidade, descrevendo o espaço e seus detalhes. A grande virtude do filme é abordar um tipo de erotismo, a prostituição, de forma essencialmente artística. 

Mathilde, uma das prostitutas, e interpretada por Alice Barnole, tem sonhos recorrentes da noite em que foi atacada por um cliente. Uma cicatriz na sua boca marcou para sempre sua história, ela agora é conhecida como a mulher que ri,  devido a cicatriz. Seus sonhos com a noite do ataque são inseridos ao longo do filme como um artificio para  envolver os espectadores intimamente com os medos enfrentados pelas mulheres do bordel; os sonhos de Mathilde serve para reforçar um certo perigo que permeia o ambiente.

Neste sentido, no que foi identificado no filme como elemento de ruptura, a  trilha sonora é usada de modo não diegética,  criando momentos em que a narrativa entra em suspensão, particularmente a introdução da canção The Right to love you, de The Hannibal   no começo e no final do filme, serve justamente para criar uma separação da realidade temporal do filme com a do realizador e espectador; a música vem de fora, cruzando os tempos e as épocas, invadindo o filme e ao mesmo tempo criando clímax de uma forma não  muito convencional. 

Em apenas um momento a câmera sai do espaço do bordel. Praticamente o filme inteiro estamos da porta de entrada pra dentro, em seus andares e corredores. As salas sociais são revestidas de cortinas de veludo, como os sofás. Paletas complementárias entre o verde o vermelho, são vistos os requintes e os detalhes da belle époque, que aparecem em seus  lustres e castiçais, em seus móveis e camas, em seus copos, em seus espelhos, suas paredes, seus pisos, seus bordados,  tecidos, a lã, o algodão, a seda. A arte, o figurino, a  fotografia, criam uma atmosfera cálida, sensual, delicada. Mas também escura, como as sombras que penetram a profundidade dos cômodos.

O filme não tem uma protagonista, ele transita entre os sonhos e os desejos das mulheres de saírem dali e de terem uma vida livre. São estabelecidos polos narrativos, mas que operam sob uma mesma estética, em uma relação entre coprotagonistas, como Pauline que tinha apenas quinze anos e chegou até o bordel para ser independente ; Clotilde, que estava apaixonada por  seu cliente, Maurice; Julie, que havia contraído sífilis. 

Surpreende o final, cuja solução é criar um inesperado contraste com a profissão exercida nos antigos bordeis de Paris, traspassada com a prostituição nos dias de hoje, quando vemos Clothilde já não vestida com suas lingeries ou seus antigos trajes seculares; ela de repente aparece nas ruas de Paris atual, em esquinas provavelmente próximas ao do antigo L'apollonide e os amores da casa de tolerância. Como se na final , o filme dissesse que a tragédia vivida pelas mulheres do século XIX seguiam sendo as mesmas, ou parecidas, das vividas pelas mulheres do século XX; que as casas de tolerância como L'apollonide não existem mais, mas a dor daquelas mulheres seguem iguais.



Comentários