Os prêmios de cinema e a alienação do imaginário
Fazia alguns dias que um texto estava querendo ser escrito. Era uma reflexão não muito fácil de articular, pois o incômodo que ela me gerava me fazia pensar sobre mim mesmo, sobre por que isso me afetava a ponto de me levar a escrever. Como exercício crítico, tentava observar como os prêmios de cinema envolvem mais a psicanálise do que o próprio cinema. O texto foi escrito um dia após a premiação do Globo de Ouro. Hoje cedo, ao abrir as redes sociais, notei uma euforia coletiva em torno desse evento. Na verdade, há semanas as mídias têm comentado, especulado e exaltado a premiação, quase à exaustão. Foi disso que meu incômodo surgiu, ao ver a mídia tratar uma premiação artística como se fosse o Brasil nos Jogos Olímpicos ou numa final de Copa do Mundo.
Num texto anterior, escrevi que cinema não é esporte — e talvez essa fosse esta a base do meu desconforto. O fato de me incomodar me levou a refletir: por que isso me afeta? Essa pergunta me direcionou à psicanálise.
Parto do princípio de que uma premiação, como o Globo de Ouro ou qualquer evento similar, é criada a partir do desejo de validação social pelo Grande Outro. O que percebi como "desproporcional" na euforia coletiva e na construção midiática que fomentava esse comportamento era o que Lacan chamaria de um momento de gozo coletivo. Não era apenas o prêmio em si que mobilizava as pessoas, mas a oportunidade de participar simbolicamente do reconhecimento. A euforia nas redes sociais refletia um gozo ligado à identificação: "Se eles foram reconhecidos, nós também somos, enquanto sociedade, cultura ou mesmo indivíduos que apreciam o cinema." Segundo a psicanálise, o supereu, enquanto instância simbólica, não apenas regulava, mas também incitava ao gozo. As redes sociais amplificavam isso, operando como um espelho onde o desejo e a validação do Outro eram incessantemente exibidos e replicados.
Evidentemente, o cinema enquanto arte, é uma inscrição simbólica do artista no campo do Grande Outro; fazer cinema é um ato de comunicação simbólica no campo do Outro. Naturalmente, uma atividade que está sob escrutínio da validação de todos que a apreciam. Na minha opinião, festivais importam mais que prêmios. Celebro mais o espaço onde o cinema acontece, do que os prêmios após o acontecimento. Não desconsidero também, a importância do prêmio para o reconhecimento de uma narrativa além do individuo premiado.
Meu incômodo talvez tenha surgido tanto de minha avaliação crítica desse fenômeno quanto da forma como meu próprio desejo se articulava em torno do reconhecimento pelo Outro. Ao mesmo tempo, surgia porque o desejo do Outro era um enigma para mim, o que me levava a me posicionar de forma crítica. A euforia coletiva, em vez de me contagiar, me oprimia, pois a percebia como uma alienação do imaginário coletivo, distante de uma felicidade autêntica. Via a esses eventos como momentos de alienação, e superficiais.
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