Regra 34 (2022), um filme de Júlia Murat

Começaria a escrever sobre este filme citando um grande feito que ele alcançou, ao ser premiado em Locarno  de 2022 com o leopardo de ouro, o primeiro  brasileiro a ser reconhecido como melhor filme deste festival desde Terra em Transe em 1967. Bravo! Cito esse prêmio não por  ser alguém deslumbrado com premiações, cinema não é esporte, filmes não competem entre si, sempre achei o termo competição algo errado em festivais de cinema. Mas essa premiação em particular eu considero digna de registro,  pelo feito em si, pois o Festival de Locarno é a casa mais tradicional dos filmes independentes,  casa da filmografia  marginal do cinema mundial; é um festival muito importante. E também para fins de registro, este é o terceiro filme de Julia Murat,  Histórias que Só Existem Quando Lembradas (2011) , seu longa de estreia, meu predileto seu, premiado em Rotterdam, e Pendular (2017), premiado na mostra Panorama de Festival de Berlin.  Tratando-se de apresentação, esse é o tamanho de Julia Murat em termos de prêmios, respeito.

Regra 34, no entanto, é um filme importante, mais pelo subtema que aborda, a violência de gênero  e como os operadores do  direito discutem esse drama vivido pelas mulheres brasileiras. O filme elabora uma dupla construção de mundos habitados pela protagonista Simone (Sol Miranda), deslocando o olhar do espectador entre universos que em tese se chocam, de dia ela frequenta aulas de direito na defensoria publica, de noite,  ela faz  exibições pornográficas na internet. O deslocamento do olhar entre esses dois espaços, o paralelismo inusitado surgido pelo contraste de propriedades de cada mundo, foi a ideia cinematográfica mais interessante do filme. A questão do cinema explicito exercitada no filme, serviu como pretexto ao contraponto do mundo politicamente correto do direito. Outro campo do filme que apreciei positivamente foi a trilha sonora, eletrônica,  criando cenas dionisíacas, eu particularmente gosto dessa sensação. Me faz lembrar  Nietzsche,  arte deveria ser dionisíaca, uma arte que restabelecesse o equilíbrio com coragem (ao racionalismo socrático) para encarar a tragédia e "afirmar a vida em sua totalidade". 

Por outro lado, todo o discurso politicamente correto sobre a violência de gênero e as desigualdades socias, me pareceu um discurso enlatado, importante de serem ditos, mas na minha  opinião, em muitos momentos acabou ficando um discurso previsível e repetitivo. A fotografia do filme, achei muito plana, sem muita criatividade. O realismo buscado, impediu uma maior elaboração,  não víamos muitos polos de drama e luz na  iluminação além da marcação dia/noite, a fotografia não  deixou uma marca.  A própria direção da Julia Murat, achei discreta. Não consegui perceber uma marca autoral ou ideias que tentassem imprimir algo diferente com relação a enquadramentos e movimentos de câmera. . Confesso que me perguntei o que mais os jurados do festival viram no filme que eu não vi? Acredito que o discurso tenha pego eles mais do que a mim, talvez assistindo legendado tenha sido mais impactante. 

Pra mim, cinema não é discurso. E se comparo com o filme que ganhou o Leopardo de Ouro no ano anterior, Vitalina Varela, de Pedro Costa, entendo menos ainda. Com apenas o rosto de Vitalina Varela, Costa constrói uma história e um drama social de Portugal, sem precisar dizer nenhuma palavra. Sua narrativa visual carrega todo o peso do conflito, transformando a imagem em uma força dramática. Se para o filme de Costa dou uma nota 9.9, para Regra 34, dou nota 6.

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